Quem acompanha os trabalhos lá de fora, como inspiração ou simplesmente para estar por dentro do que acontece nesse mundão, notou que as coisas outside, tanto nos EUA quanto na Europa, tem um quadro diferente, um quadro de aceitação diferente, ou de aproveitamento e respeito à arte de uma maneira diferente. Consideremos esse meu comentário como utópico, pela questão de que, não é porque é primeiro mundo, que possui os melhores profissionais. Essa linha de raciocínio não existe. Muitos artistas brasileiros dão de dez a zero em gringos. Porém, te questiono: esses brazucas talentosos são tão reconhecidos quanto um gringo?
O mercado e suas oportunidades
A atividade artística em Londres é extremamente energética e radiante, num campo inesgotável de criatividade, oportunidade e desenvolvimento. O povo é fascinado por cultura, e no geral, são mais abertos a novos conceitos. É muito mais fácil apresentar uma ideia nova lá e receber um feedback instantâneo. Eles podem não gostar da ideia, claro, entretanto, te encorajam a apresentar o que você tem em mente.O povo inglês é exigente, até demais. Isso é ótimo, na minha opinião, porque dessa forma você tem uma chave de ouro pra aprimorar suas técnicas e conhecimento. Eles podem te exorcizar para mover um pixel pra esquerda ou qualquer detalhe que vier a mente. Apesar disso, o seu trabalho será pago de maneira justa e sem o famoso chororô.
Pra dificultar ainda mais, o mercado do design é agitado e altamente competitivo. Quando digo altamente, é extremamente ao ponto de te levar a ira, só de pensar. Os profissionais podem se duelar, ficam dias e dias tentando extrair o melhor de si e facilmente podem ficar dias e noites ligados num único projeto. É comum você receber uma lista de alterações às 4h da manhã, ou em alguns casos, até uma ligação.
Inspiração contagiante
O povo londrino é exemplar em termos de cultura e educação. Usava o metrô quatro vezes no dia, senão mais, e via gente com livros impressos ou digitais por todos os lados. E aqueles que não liam livros, liam jornais. Sobre o fato do povo ser rude e não aceitar estrangeiros no país, é real e mito ao mesmo tempo. Conversei com inúmeras pessoas no metrô e na rua, e tive uma diversificação enorme de reciprocidade. Houve aqueles que mal responderam, e aqueles que levaram o assunto adiante. Pensando e agindo como inglês, você se torna um inglês. Mais ou menos assim que a coisa funciona.Direto ao ponto: Sendo freelancer em Londres
Se no país materno já é complicado se virar, imagine num lugar onde você não tem referências, não conhece ninguém e não faz ideia de como as coisas funcionam. Desesperador? Nem tanto. É só ir aos lugares certos que certamente encontrará as pessoas certas. Sem saber por onde ir e não querendo perder tempo só com turismo, resolvi comparecer a um encontro de desenvolvedores WordPress, organizado pelo site meetup.com. Em um pub bastante tradicional, desenvolvedores, bloggers e designers se encontram para beber muito e discutir sobre qualquer assunto relacionado a isso. Marcaram às 8h da noite no pub Shakespeare Barbican e a conversa foi parar às 3 horas da manhã, com quase todo mundo pra lá de Marrakesh, fazendo rabiscos no guardanapo e dizendo “esse será meu novo logo” ou se soltando bonito dizendo “queria redesenhar meu site, mas acho que vai magoar a concorrência”.Dois dias depois, (não no seguinte, pois quem não está acostumado a beber até as 3 da manhã numa terça feira não é nada fácil levantar às 8h e agir como se nada tivesse acontecido), resolvi ligar para uma designer, que precisava de um dev front-end. Ela atendeu como se nunca tivesse falado comigo, e era uma das mais soltinhas naquele bar. Isso é comum em Londres: a pessoa conta a vida inteira dela pra você num pub e no dia seguinte não faz questão de saber quem você é. Resultado: ou ela não queria Dev nenhum, ou simplesmente quis falar com alguém mais próximo. Acontece. O importante é que saí do bar com 8 cartões de visita, de startups e agências onde bati porta por porta me apresentando e deixando meu novo celular, anotado em uma tira de papel perfeitamente cortada com estilete. Deu certo, recebi duas ligações: Uma era pra adaptar um tema em WordPress. O trampo não rolou, mas tive toda a experiência de ir até o escritório e ter uma visão da coisa funcionando. E o outro foi apenas pra me indicar um lugar onde eu poderia encontrar bons anúncios. Trata-se de um local onde existe um mural enorme em que pessoas colocam anúncios sobre o que precisam. Foi onde encontrei o cartaz do Chris, que precisava de um website em troca de uma mega assistência para marketing pessoal. E era tudo que eu precisava naquele momento. Networking.
O cartaz-âncora, que me trouxe trabalho, amigos e networking.
Uma semana depois, o site do Chris estava no ar. E é este aqui. Um certo dia, ele me liga me convidando pra visitar o Google Campus, onde algumas startups palestrariam. O Headquarters do Google Campus é um ambiente onde startups se reúnem e trabalham em conjunto, discutem ideias ou compartilham projetos. Foi onde trabalhei por semanas, em pequenos projetos de startups e do próprio Google. Onde também vi de perto o Glass e o desenvolvimento do Gmail tabs.Você não passa fome no Campus, a comida é de qualidade! Entretanto, provável que queira comer em casa a ter de pagar 7 libras por um sanduba como esse.
No Google Campus, era bem melhor fazer contato, porque você via as mesmas pessoas sempre. Pude fazer colegas de verdade lá, dos quais mantenho contato até hoje. Mas é uma coisa de perfeita persistência. Se você sumir, ninguém vai ligar pra você. O ambiente em si é ótimo. É de livre acesso, primeiro você faz um cadastro, recebe um cartão magnético e então você pode usar o ambiente e seus recursos para trabalhar em seus projetos, com internet de 100 mega. É interessante conversar sobre qualquer assunto com designers, desenvolvedores e escritores, que lotam o ambiente. A garota da foto abaixo é a Emily. Ela estava projetando um app para mulheres, da qual podia ter um controle mais preciso sobre o reloginho feminino, com notificações via push para N dispositivos. Além disso, tentava arrecadar fundos pra desenvolver uma espécie de beeper, para lembrar os dias certos de tomar os remédios.Essa é a Emily, 120% envolvida no projeto do seu app.
A tela do meu computador num dia qualquer, finalizando layout para apresentação.
Uma das áreas mais concorridas do campus: O jardim de inverno. Quem chega cedo, consegue lugar.
Design em todos os lugares. Literalmente.
Londres é recheada por peças de design e boa parte delas é feita por artistas desconhecidos. O apoio cultural é tão grande que qualquer pessoa pode desenhar a capa do futuro mapa do metrô de Londres. Eu mesmo enviei um desenho para concorrer. Não soube do resultado, mas nota-se que é qualquer pessoa mesmo, não sendo necessário ser um cidadão britânico para tal. Nas ruas, nos bares, estações de metrô, nos próprios ônibus e quase nada de outdoors. A estratégia de publicidade é inteligentemente estratégica.Publicidade direcionada dentro das estações de metrô. A maioria são anúncios geniais e altamente conceituais.
Vale a pena arriscar?
Se você não desiste, encara críticas como aprendizado, é teimoso e confiante, certamente sim. Caso contrário será frustrante, pois não é muito fácil convencer o povo inglês, especialmente pela cultura local. Apesar do tempo de adaptação, a vida de freelancer é preocupante, porém gostosa. A quantidade de recursos gratuitos ao seu dispor é excepcional, o que dá um empurrão pra não desistir tão facilmente. A biblioteca pública britânica, o próprio campus do Google, entre os meetups que acontecem frequentemente, é fácil criar vínculos desde que você dance no ritmo inglês. Um serviço bem feito sem sombra de dúvidas deixa um rastro de elogios e recomendações, a ponto de você pensar “mereço tudo isso?”Um fato real que me deixou surpreso, foi quando passei pelo Campus e vi um cartaz com meu nome. Liguei pro Chris, meu então único amigo, falando o caso. E ele me disse “Eu sei, eu fiz aquele cartaz. Achei que é o lugar certo para as pessoas certas”. Essa ousadia e iniciativa me emocionou. Fantástico.
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