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segunda-feira, 10 de junho de 2013

Quadrinhos Dependentes (ou “Oh Lord, Won’t you buy me a Mercedes Benz”)

 
 

Os anos 70 e 80 (e por muito tempo dos 90) criaram uma certa tendência cultural, o tal do “indie”, o submundo cultural. Enraizado na cultura punk do “faça você mesmo”, o indie sempre representou a liberdade de expressão custe o que não custar. Baixo orçamento e tosquices eram orgulho. E, como diziam no Flashman, vinte anos depois…

O “indie” hoje remete mais ao hipster, aquele cara que é estiloso por escolha e toma cuidado para ser estranho. Indie é Scott Pilgrim, o personagem. E agora que é tudo só pose, não existem mais motivos para as ideologias por trás, a razão de ser independente. Isso se reflete em como se faz a cultura independente hoje, inclusive nos quadrinhos. Toda a pompa de não ser mainstream, estar fora dos holofotes, mascarada numa única tarja que de repente enche as pessoas de honra e orgulho. Mas meu foco aqui não é o mérito no rótulo, mas o que tem acontecido.
Não é de hoje que vemos movimentos tímidos sendo sussurrados pelas redes sociais, com poucos ecos, mas ainda assim, insistentes, esperando sempre a chance de aparecer. E é tão estranho ver isso… Movimentos de quadrinhos independentes que pedem sustento para os outros, como um filho desgarrado girando no chão, fazendo sons indecifráveis porque não vão levar o iogurte pra casa hoje. E assim chegamos à era dos Quadrinhos Dependentes, a versão yupie e mimada dos fanzines xerocados!
O quadrinhista dependente geralmente não está no negócio para criar histórias filosóficas, com abordagens pouco comerciais, experimentais ou com um tom ou tema polêmico demais. Afinal, tudo isso é mainstream hoje! Aliás, tudo hoje pode ser mainstream, basta ser bem feito e bem planejado. Já tivemos a época para tornar vendável até as piores viagens do Grant Morrison e vimos uma história de anjos e robôs ser um dos maiores fenômenos comerciais do Japão. Gente como os gêmeos Gabriel Bá e Fábio Moon aparecem na lista de mais vendidos no New York Times. Então, como fica a identidade do quadrinhista independente?

A verdade é que os bons independentes acabaram caindo nas graças do mercado e podem continuar fazendo o que gostam com dinheiro dos outros. É como um final feliz para uma história de esforço e sacrifício. Mas sem seus líderes para flamular as bandeiras do independentes, o restante perdeu seu rumo e sua forma. E se mostrou bem distante da ideia do quadrinho de guerrilha, feito como dá, impresso como pode, vendido pelos cantos ou no boca-a-boca. O quadrinho dependente é o filho de vinte e tantos que ainda recebe mesada e reclama que com tão pouco, não pode ter o que o irmão que trabalha em dois turnos tem.
Dai existe o choro por justiça, por direitos iguais. Por cotas que favoreçam e obriguem o mercado tão malvado e bullier a trabalhar em favor destes filhos mimados da cultura. Estes que sofrem com o bullying dos leitores indiferentes, dos editores que os chamam de amadores, dos autores estabelecidos que não fazem nada pelos outros que ainda não estão no mercado… Talvez seja apenas um retrato de como a gente cria essa nova geração à iogurte, que não repete de ano se for burro, que não se machuca se fizer besteira, nem é culpado se comete crimes. Então, o direito de realizar o sonho vira um carrinho de Hot Wheels, comprado pelo pai ausente e inconsequente, como uma forma de compensar tudo que faz de errado.
A geração dos quadrinhistas dependentes não é aquela que chora apenas para o governo ou para o Twitter. Também é aquela que acha que os editores têm o dever de publicar exatamente o que o autor quiser, pois é seu filho, é sua arte e é um crime pedir para que um autor com a honra e o orgulho de um independente se venda ou venda sua arte. Editores não são cafetões da arte. A partir desse ponto é que nasceram os independentes, que lançavam o que os editores não acreditavam. Mas é claro que mesmo os independentes sempre sonharam em poder ser parte de algo maior, vender muito e atingir muitos leitores. Esse papo de que “se minha história atingir duas pessoas eu já estou feliz” é uma lambida envergonhada em uma ferida exposta.
Trabalhar com quadrinhos é diferente de fazer os seus quadrinhos, contar sua história. O primeiro contém o segundo, mas o inverso depende de muito mais coisa. Então, você pode pensar em duas alternativas. Transformar seu talento com quadrinhos em trabalho ou trabalhar com outra coisa e publicar independente, seja pagando sua impressão ou em blogs, sem esperar que isso tenha um alcance grandioso e te encha de dinheiro e seja adaptado para anime e depois um filme com atores. Isso não é impossível, mas não deveria ser prioridade para ninguém, quanto mais um independente. Imagine um dependente, que nem ao menos montar seu próprio site e divulgar o conteúdo propriamente quer fazer?

Como deixar de ser um quadrinhista dependente? Pra começar, comece a olhar para si mesmo com a mesma ironia e senso crítico que você tem para reclamar dos outros. Reclame de você mesmo, e então trabalhe para se tornar melhor naquilo que lhe incomoda. Quando conseguir aceitar seus erros, pode começar a ouvir mais as críticas. Elas costumam vir com dicas, que muitas vezes são codificadas, só entende quando se tem vontade. Se elas vierem de alguém que vai lhe publicar, então… Muitas vezes é de alguém que sabe melhor do que você o que o público dele quer e o que ele pode vender de seu talento.
Enquanto continuarmos culpando o sucesso dos outros e vendo nossa incompetência como uma injustiça, seja social, seja natural ou divina, nunca seremos capazes de andar ao lado dos autores de verdade. De verdade, porque sua cota e sua ajuda só alimentam uma mentira. Você não é um profissional dos quadrinhos!



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